/A Falta de Accountability na regulação e o Risco Regulatório

Data: 
07/11/2003
Autor: 
*Ricardo Gorini de Oliveira

A falta de um sistema de accountability efetivo na regulação dos setores administrados implica em trajetórias mais custosas do ponto de vista socio-econômico para viabilizar o desejado aumento da competitividade e desenvolvimento da economia Brasileira.

A fraca accountability dos setores administrados (especialmente energia) compromete o desempenho regulatório e consequentemente o desempenho econômico destes setores. A atual reforma institucional do setor energético brasileiro é uma oportunidade para tornar efetivo um sistema de accountability capaz de promover a legitimidade, a credibilidade e conseqüentemente a sustentabilidade regulatória. Não atentar para estes aspectos, pode implicar na necessidade de mais reformas estruturais no futuro, o que resultaria em mais custos para o setor, para os consumidores e contribuintes, e, principalmente, em uma nova onde de elevação de risco regulatório.

A accountability pode ser entendida como controle social ou “prestação de contas”. Juntamente com o princípio da transparência, o seu exercício permite um aumento da credibilidade do sistema regulador, tornando-o mais eficaz na arbitragem de conflitos, e conseqüentemente, reduzindo os riscos regulatórios. Ademais, a accountability reforça, no médio e longo prazo, a previsibilidade regulatória (redução de incertezas e riscos) e, conseqüentemente, fomenta a modicidade tarifária. Isto ocorre conforme a seguinte lógica: os financistas ao concederem empréstimos aos investidores do setor regulado poderão reduzir as taxas de juros e alongar o prazo de financiamento caso as expectativas futuras sejam de estabilidade setorial (garantida pela legitimidade do sistema regulatório). Os investidores, por sua vez, além de taxas e prazos mais favoráveis obtidos nos financiamentos, passam a exigir menores prêmios de risco para o capital próprio. Além disto, a legitimidade e a credibilidade regulatória reduzem a necessidade de garantias e mecanismos de segurança excessivos que acabam aumentando os custos de transação no processo de decisão de investimento. Em suma, para novos empreendimentos os custos podem ser reduzidos e dependendo da regulação podem se refletir em modicidade tarifária.

Não é sem motivo que em países desenvolvidos, como a Inglaterra e EUA, uma das principais diretrizes do sistema de regulação é o fomento institucional da accountability. No entanto, “não existe almoço grátis”. Embora comprovada a sua relevância para o desempenho regulatório e para o sucesso econômico, a instituição da accountability não se dá sem fomento e sem custos. A sua eficácia depende, em primeiro lugar, da capacidade dos agentes, organizados, de acompanharem as decisões e ações que impactem seus respectivos interesses. E para isto, existem custos para organizar equipes com profissionais especializados, outros custos operacionais, sem considerar os custos de transação, como, por exemplo, a dificuldade de obter e consolidar dados setoriais. Em segundo lugar, depende da minimização do desbalanço entre o poder de barganha dos agentes organizados na defesa de seus interesses.

Neste ponto, o desbalanço entre o lado da oferta e o lado da demanda varia conforme a indústria regulada. Aquelas cuja dinâmica tecnológica já permite maior flexibilidade ao consumidor (a exemplo da telecomunicação) possibilitam uma redução da inelasticidade do consumo de determinado serviço associado a um fornecedor especifico. Aquelas cujo funcionamento ainda segue os princípios básicos de indústria de rede e de monopólio natural (a exemplo da indústria de eletricidade), ou seja, fortemente direcionadas pelas decisões estratégicas dos agentes do lado da oferta, de fato carecem de um fomento para possibilitar que o lado da demanda seja mais participativo.

Estamos falando em atribuir direitos de propriedade para os agentes do lado da demanda para contrabalançar o excesso de poder do lado da oferta. Existem algumas alternativas para isto: (1) atribuir ao consumidor a liberdade de escolha do fornecedor; (2) instituir, na linha da regulação por incentivos, mecanismos que permitam maior participação do consumidor na formação da tarifa; (3) instituir, fomentar e capacitar agentes para a defesa do direito dos consumidores.

Se o primeiro item é difícil de ser implementado no atual estágio de “amadurecimento” da indústria de eletricidade no país (instituições fracas, pouca tradição regulatória, grande necessidade de expansão), os outros dois são fundamentais para a eficácia regulatória e conseqüentemente para a redução de custos setoriais.

O caso inglês do setor energético é bem ilustrativo no que se refere à criação de um sistema de accountability. Primeiro instituiu-se a liberdade de escolha de todos os consumidores em relação aos fornecedores. Segundo aprofundou-se a utilização de benchmarking relacionados à qualidade de atendimento como mecanismos de incentivo na tarifa. Terceiro, os Conselhos de Consumidores foram substituídos pelo EnergyWatch, uma organização de consumidores independente, com a autoridade para proteger os interesses de todos os consumidores de eletricidade e gás. Para os consumidores este funciona como um canal de comunicação e de enforcement dos direitos.

Além do EnergyWatch outras instituições também possuem responsabilidade no processo de accountability, a exemplo dos Committes (House of Commons) e da Competition Commission. A própria Secretaria de Energia, a cada relatório anual sobre o panorama energético do Reino Unido, apresenta os dados de maneira mais organizada e de fácil processamento (diretamente em planilhas). As universidades e centros de pesquisa também lançam papers continuamente criticando as diretrizes regulatórias, e contribuindo de maneira ativa com o processo de accountability. Adicionalmente caso os concessionários discordem do Ofgem, estes podem submeter a questão à Competition Commission. Revisões Judiciais também são possíveis e constituem uma possibilidade adicional de apelo.

Enfim, accountables, uni-vos!

*Ricardo Gorini de Oliveira é economista e coordenador do Cenergia da COPPE/UFRJ. E-mail: gorini@ppe.ufrj.br

Artigo publicado no jornal Valor Econômico, dia 7 de novembro de 2003.