/A farsa de Cancun

Data: 
22/12/2010
Autor: 
*Luiz Pinguelli Rosa

Voltei da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, em Cancun, convencido de que seus resultados foram medíocres. Na conferência, permaneceu o impasse entre os países desenvolvidos, que queriam o fim do Protocolo de Kyoto, já que muitos não o estão cumprindo, e o conjunto dos países em desenvolvimento, destacando-se a China e a Índia pelo crescimento do consumo de combustíveis, embora muito baixo per capita.

Para meu espanto, de um dia para o outro a conferência apareceu como um evento exitoso, de acordo com declarações publicadas na mídia internacional e nacional. Resolvi, então, verificar se algo importante tinha escapado do meu conhecimento. Mas, ao ler as resoluções finais, mantive a mesma opinião: nada há para comemorar. O verniz aplicado para dar à conferência a aparência de sucesso na 25ª hora deve-se ao fato de ter sido bloqueada a definição do 2º período de compromisso do Protocolo de Kyoto. Isso era tudo o que queriam os países mais ricos incluídos no Anexo I da Convenção de Mudanças Climáticas, de acordo com o princípio da responsabilidade comum, porém diferenciada, estabelecido na Rio 92.

Na reunião de Cancun, o Brasil e o Reino Unido foram incumbidos de fazer consultas aos representantes dos países sobre o novo período de compromisso do Protocolo de Kyoto. Ouvi, por duas vezes, da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que conduziu as consultas pessoalmente com apoio do Itamaraty, uma avaliação com certo otimismo, embora ela alertasse que o Japão ameaçava sair do Protocolo seguindo o mau exemplo dos Estados Unidos, que jamais o ratificou. O Canadá caminhava no mesmo sentido. Em entrevista, no fim do evento, a própria ministra deu uma nota medíocre à conferência: 7,5.

Na reunião do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, no Palácio do Planalto, poucas semanas antes de Cancun, o presidente Lula declarou que no encontro com chefes de Estado do mundo inteiro na Conferência do Clima de 2010, em Copenhague, os países ricos queriam tão-somente acabar com o compromisso de Kyoto. A intervenção de Lula – anunciando as metas voluntárias do Brasil e cobrando ações dos países desenvolvidos – contribuiu para abortar o enterro de Kyoto em Copenhague.

No México, foram aprovadas medidas pontuais como o Fundo Verde, o financiamento pelos países desenvolvidos para mitigação e adaptação e compensações pela redução de desmatamento. Embora se reitere o limite de 2ºC no aumento da temperatura global até o fim do século, não se estabeleceu como isso pode ser obtido, pois nenhuma meta foi definida. Ficou para ser deliberado na conferência da África do Sul, em 2011.

O fracasso de Cancun transformado em êxito parece um fenômeno psicossocial em que todos se convencem de que algo ocorreu sem que isso retrate a realidade dos fatos. Isso me fez lembrar uma peça de Eugene Ionesco, na qual um rinoceronte aparece em uma cidadezinha e, sem lógica alguma, todos vão adquirindo as feições de rinoceronte. Foi assim que muitos voltaram do México, como os rinocerontes de Ionesco, repetindo que a conferência foi um êxito.

*Diretor da Coppe/ UFRJ *Secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas