/Reflexões sobre o projeto trem-bala

Data: 
28/01/2010
Autor: 
*Richard Stephan

Neste momento em que acaba de ser lançada a consulta pública para o edital de licitação do Trem de Alta Velocidade (TAV), também conhecido como trem-bala, que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro, faz-se oportuno refletir sobre alguns pontos para evitar erros já cometidos no passado.

Na página da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) está disponível o relatório conjunto preparado pelas empresas de consultoria Sinergia (brasileira) e Halcrow (inglesa) sobre este projeto. No volume 4 do relatório, denominado Operações Ferroviárias e Tecnologia, constam algumas vantagens da tecnologia de Levitação Magnética (MagLev) comparativamente à tecnologia dos Trens de Alta Velocidade (TAV) roda-trilho como: traçados mais íngrimes (10% contra 4%), menor impacto ambiental, aceleração e desaceleração maiores (permitindo paradas com menor comprometimento do tempo total de percurso), curvas mais fechadas, traçados que evitam áreas ambientalmente sensíveis e reduzindo comprimentos de túneis e viadutos.

Este mesmo relatório, reconhecendo essas significativas vantagens, conclui: “Isto significa que um traçado MagLev seria completamente diferente de um para um TAV roda-trilho de aço e necessitaria de um procedimento diferente para aprovação de projeto e planejamento. Por estas razões, MagLev não foi ativamente considerado no desenvolvimento do TAV”. Ou seja, o relatório sentencia punitivamente uma excelente opção. Além das vantagens citadas no relatório, acrescentamos o menor consumo de energia, a manutenção mais simples, a menor emissão de ruído e as maiores velocidades de cruzeiro (450km/h contra 350 km/h), com similares custos de implantação.

Trata-se de uma verdadeira agressão a qualquer lógica de bom senso, o que me obriga, como professor e especialista no tema, a apresentar uma abordagem didática para o melhor entendimento do assunto. Afinal, o projeto está orçado em R$34,5 bilhões e merece uma discussão ampla e bem informada.

Existem três tecnologias de levitação para transporte classificadas como: eletromagnética (EML), de forças atrativas; eletrodinâmica (EDL), de forças repulsivas; e supercondutora (SML) baseada, esta última, na propriedade diamagnética dos supercondutores de elevada temperatura crítica, sintetizados apenas em 1987. As duas primeiras são indicadas para transporte de alta velocidade e vêm sendo discutidas há mais de 40 anos pela comunidade internacional nas conferências MAGLEV, que ocorrem a cada dois anos, desde 1968. A vigésima edição deu-se no ano passado, em San Diego, EUA. Temos participado ativamente deste congresso. O Brasil, inclusive, sediou a MAGLEV’2000 na cidade do Rio de Janeiro. Esta foi a única vez que este fórum de discussão foi deslocado para o hemisfério sul, ocasião em que introduzimos a proposta SML para transporte. A tecnologia SML, em função da baixa potência necessária para garantir a levitação, encontra sua ideal aplicação no transporte urbano de baixa velocidade e está sendo explorada no projeto MagLev-Cobra, da Coppe/UFRJ, o qual coordeno.

A substituição do sistema roda-trilho pela levitação significa, tanto para o transporte urbano quanto para o transporte interurbano, uma quebra de paradigmas, uma ruptura tecnológica. Algo semelhante ao que ocorreu com as máquinas fotográficas, com a substituição dos filmes sensíveis à luz pelas memórias digitais; ou com a preparação de textos, com as modernas impressoras e softwares editores, em substituição às máquinas de datilografar, para citar apenas dois exemplos do nosso cotidiano.

Declaradamente, o governo brasileiro pretende aproveitar a construção da ligação terrestre de alta velocidade entre Rio de Janeiro e São Paulo também como elemento propulsor do parque tecnológico e industrial. Ora, se de fato estamos pensando no futuro, não cabe privilegiar a tecnologia roda-trilho, como concluiu o relatório da Sinergia e Halcrow, uma vez que estaríamos comprando o obsoleto, o que não tem perspectiva de futuro.

*Professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica da UFRJ
**Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, dia 11 de janeiro de 2010