/Os Efeitos Reais e Virtuais do Pacote do FMI

Data: 
17/12/1998
Autor: 
*Luiz Pinguelli Rosa

Um mundo telecomandado por grupos econômicos e políticos. Este é o tema tratado em "Homo Videns", recente livro de Giovanni Sartori, da Columbia University. A mesma preocupação foi revelada em 1994 por Karl Popper, um dos pais do neoliberalismo. Não o modelo falsificado, como o importado pelo Brasil, onde se está criando um mundo virtual para esconder o mundo real, agora ainda mais indigesto com o pacote do FMI.

Li sobre um projeto de lei para punir, secretários de fazenda de governos estaduais que fizerem gastos excessivos nos seus estados, incluindo a suspensão de direitos políticos. Não se trata de combate à corrupção com o dinheiro público, empreguismo e roubalheiras. A ética na política, nome dado pelo Betinho a um movimento no tempo do impeachment e dos anões do orçamento, está fora de moda. Haja vista a compra de votos de deputados para aprovarem a reeleição, denunciada sem maior consequência além de um bode expiatório na Câmara. Exemplo maior esta nas privatizações com preços generosos, calculados como se o risco de uma empresa elétrica ou de telecomunicações fosse igual ao de um restaurante, ou ignorando imensas reservas de minério, como mostraram estudos da COPPE para procuradores da República e para uma comissão da Câmara Federal. Portanto, não é disso que trata a notícia que li.

Seria então o objetivo punir quem sextuplicasse a dívida do governo, pagasse a banqueiros por seu próprio moto juros muito acima do mercado internacional, estimulasse importar muito mais que exportar, tomasse dinheiro emprestado em nome do governo sem limites. Mas então o primeiro incriminado seria o atual ministro da fazenda. Não se entende como ele é mantido no cargo enquanto o governo fala em corte de gastos. É como se o construtor do prédio que caiu na Barra da Tijuca fosse agora nomeado secretário de obras. Se não é para punir quem favorece banqueiros com o dinheiro público, para que é?

Lendo melhor a notícia, vê-se que se deseja punir quem gastar o dinheiro público com a função pública, isto é, com saúde, educação, saneamento, serviços públicos. Quando falam em reduzir gastos públicos eles se referem a estes últimos, que não crescem há anos, como também os salários federais congelados. Não se referem à parte dominante da dívida, que sextuplicou devido à política econômica de pagar juros altos para atrair dólares, em nome da estabilidade da moeda e da abertura da economia.

Logo, dentro desta lógica, com o pacote do FMI pode-se esperar a proposta de novos tipos de punições. Poderão ser punidos os médicos de hospitais públicos que atenderem, internando e medicando, mais doentes que o permitido pelo FMI? Os doentes excedentes serão condenados à morte, numa reedição da solução final dos nazistas? Também poderão perder o cargo público professores que ensinarem demais, gastando com isso não só giz, como materiais de laboratório ou mandando comprar livros para as bibliotecas e programas de computador, excedendo o limite permitido pelo FMI? Engenheiros que fizerem obras públicas para atender a população acima do limite dado pelo FMI poderão ser afastados e cassados, como no tempo do AI-5? Coerente com isso, um diretor do IPEA propôs suspender o expediente de órgão públicos por alguns anos, num longo ponto facultativo por medida de economia. Passariam a ser órgão virtuais.

Não menos virtuais foram as medidas anunciadas pelo governo para combater o desemprego. Não combatem o desemprego! Não geram emprego nem evitam o demissões, mas sim criam novas modalidades de demissões adjetivando-as e criando algumas indenizações pífias. É o mesmo que um médico, em face de uma doença difícil, ao invés de medicar o doente oferecer a ele um belo caixão em várias cores.

*Vice-Diretor da Coordenação dos Programas de Pós- Graduação de Engeharia (COPPE/ UFRJ)