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/Amaranto Pereira: o engenheiro brasileiro descoberto na França

Neto de seringueiro, o professor Amaranto Lopes Pereira nasceu em 1923, em Porto Velho, capital de Rondônia, cidade onde seus pais se conheceram, casaram e tiveram dois filhos. Aos dois anos de idade, Amaranto mudou - se com a família para Manaus e aos quatro anos foi para Pernambuco, terra natal de seu pai, o advogado Manoel Amaro Lopes Pereira, que fora nomeado Secretário de Segurança Pública do Estado, função na época denominada Chefe de Polícia. Na cidade de Recife concluiu seus estudos em 1946, graduando-se em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A partir de então, sua carreira decolou. Um ano depois já ingressava na Great Western, empresa com sede no Canadá, que em 1957 passou a ser a Rede Ferroviária do Nordeste, onde exerceu o cargo de Diretor Administrativo entre 1962 e 1965.

Revelando grande aptidão para a Física, em 47 foi convidado pelo renomado professor Luís de Barros Freire para o cargo de professor assistente de física na Escola de Engenharia da UFPE. Considera ter sido esta uma das maiores honras de sua vida acadêmica. Não é para menos. Tornou-se colega de cátedra deste que foi mestre de muitos mestres da física brasileira, no momento em que esta passou a ser reconhecida mundialmente. Freire foi autor da teoria matemática da excitação elétrica dos nervos e dos músculos, na década de 40, e professor de físicos renomados como Mario Schenberg e Leite Lopes, este último precursor da teoria de unificação das forças eletromagnética e nuclear fraca, a qual mais tarde rendeu Prêmio Nobel a dois físicos.

Em 1949, com 26 anos de idade, Amaranto casou-se com a maranhense Nadir de Andrade Lopes Pereira, à época com 20 anos, na época sua constante parceira de frevo, samba e MPB nos bailes dos clubes Português e Internacional do Recife e mãe de João Carlos de Andrade Lopes Pereira, seu único filho. Para manter a família, Amaranto lecionava na UFPE e em colégios particulares para alunos do 2º Grau. Mas sua inquietação intelectual o fez buscar novos desafios em outras áreas: passou a ensinar eletrotécnica, como professor-assistente, no recém-fundado curso de Engenharia Elétrica da UFPE, a convite do professor francês Pierre Lalange. Tal mudança lhe proporcionou uma bolsa de estudos na Universidade de Toulouse, na França, onde passou um ano estagiando na área de eletrotécnica, no Laboratório de Engenharia Elétrica, e mais tarde concluiu seu doutorado. O mais difícil neste período, segundo Amaranto, foi ter que se distanciar da mulher, do filho pequeno e de seus pratos prediletos: bobó de camarão e feijoada.

Doutorado na França resultou em equipamento inédito para análise de redes elétricas de alta tensão

O retorno à Universidade de Toulouse foi muito bem aproveitado pelo professor que conseguiu a façanha de ao mesmo tempo concluir o doutorado, em 1959, na Faculdade de Ciências, e graduar-se em engenheiro eletricista, na Escola Nacional Superior de Eletrotécnica, Eletrônica e Hidráulica (ENSEEH), após ter cursado apenas os dois últimos anos do curso. Amaranto explica o feito alegando que o governo francês e o presidente nacional das escolas de engenharia da França autorizaram a dupla diplomação atendendo a uma solicitação feita pelo professor Leopoldo Escande, Diretor da ENSEEH. Mas a verdade é que os acadêmicos franceses tiveram que se render a garra demonstrada pelo brasileiro que nos últimos dois anos, concluindo sua tese de doutorado, ainda mostrava disposição para atuar como professor assistente de eletrotécnica da Escola de Engenharia da UFPE. Como se não fosse o bastante, ainda deixou um legado ao país que freqüenta até hoje e sobre o qual fala com muito carinho. Com base em sua tese de doutorado, aprovada com menção honrosa da banca presidida pelo professor Leopoldo Escande, e orientada pelo renomado professor Jean Lagasse, diretor do Laboratório de Engenharia Elétrica, Amaranto desenvolveu primeiro equipamento capaz de analisar toda a rede elétrica de alta tensão no Sudoeste da França, o que nunca havia sido feito. Até então, as ferramentas disponíveis só possibilitavam analisar, de forma integrada, toda a rede malhada interconectada da França.

O “Analisador de Redes” de autoria do brasileiro gerou duas patentes e sua concepção foi concretizada por meio de um modelo reduzido analógico, cuja alimentação estabilizada foi feita pela primeira vez na França com a utilização de semicondutores.

Encontro com Coimbra na França e ingresso na COPPE

De volta ao Brasil, em 1960, Amaranto fundou e passou a chefiar o Departamento de Engenharia Elétrica da Escola de Engenharia da UFPE. Cinco anos depois retornava a Toulouse como pesquisador do Laboratório de Engenharia Elétrica e Professor Titular do Instituto Nacional de Ciência Aplicada (INSA), onde ministrou disciplinas de Controle Automático e Simulação Analógica, chegando a orientar três teses de doutorado no LAAS – Laboratório de Automática e Suas Aplicações Espaciais. Laboratório este, fundado em 1967, tendo como primeiro diretor o professor Jean Lagasse.

Em 1966, o Diretor da COPPE, professor Alberto Luiz Coimbra, visitou algumas universidades da Europa e ao chegar a Toulouse tomou conhecimento do Analisador de Redes, desenvolvido no Laboratório de Engenharia Elétrica, àquela altura um dos mais conceituados da Europa. Ao saber pelo engenheiro João Lizardo, de que se tratava de um brasileiro que estava na França como professor associado, Coimbra não pensou duas vezes: pediu para ser apresentado ao professor Amaranto, o que aconteceu durante um jantar. Logo veio o convite para lecionar no Programa de Engenharia de Sistemas e Computação (PESC), ainda a ser criado na instituição. As duas primeiras solicitações formais feitas pelo Reitor da UFRJ acabaram sendo negadas pelo Reitor da UFPE, que chegou a oferecer compensações ao professor para continuar na universidade de Pernambuco.

Ligado a UFPE e lecionando em Toulouse, Amaranto inaugurou em 68 a primeira disciplina de Teoria Geral de Sistemas, a ser ministrada na França. Tal disciplina despertou interesse da Escola Politécnica de Montreal, no Canadá que o convidou para ministrar um curso sobre o tema, como parte de um convênio entre a França e o Canadá. Amaranto foi escolhido entre 250 pesquisadores do LAAS, mesmo sendo brasileiro. Mas a partir de seu encontro com Coimbra, o professor ficou mesmo interessado em participar da fundação do PESC, na COPPE. Em 1969, após receber um telegrama de Coimbra reiterando o convite, conseguiu convencer a Congregação de Engenharia da UFPE a liberá-lo por pelo menos dois anos, como sugeriu o próprio Diretor da COPPE.

Em janeiro de 1970 Amaranto ingressou na COPPE, inicialmente no Programa de Engenharia Elétrica. Somente no ano seguinte foi integrado ao PESC, programa que ajudou a implantar. Nesta mesma época, o Reitor da UFRJ, Raimundo Muniz de Aragão, conseguiu a transferência definitiva de Amaranto, após o convite de permanência feito por Coimbra. O professor explica que ao chegar à universidade acabou sendo lotado na Escola de Engenharia porque ainda não havia quadro efetivo na COPPE, e que se tornou o primeiro caso de uma transferência de professor titular para esta Escola, onde atuou como Diretor-Adjunto, já em 1972.

Memória viva da instituição

Na COPPE, Amaranto foi professor do Programa de Engenharia de Produção a convite do professor Carlos Cosenza, em 1977. Três anos depois ajudou a fundar o Programa de Engenharia de Transportes (PET), para onde se transferiu e permanece até hoje ministrando aulas, orientando mestrandos e doutorandos e desenvolvendo projetos. No PET o professor passou a atuar em várias áreas, atuando no momento em transporte de cargas.

O professor foi contemplado em 1973 com o Diploma e Medalha da Ordem Nacional do Mérito da França, uma homenagem recebida por sua contribuição acadêmica na Universidade de Toulouse e na cooperação técnica internacional entre França e Brasil, tendo trazido para a COPPE 18 engenheiros franceses para atuar como cooperante em diversos programas da instituição. Em 1995, emocionou-se ao ser incluído no seleto grupo de doze ex-alunos escolhidos para receber a Medalha do Mérito do Centenário da Escola de Engenharia de Pernambuco, uma das mais antigas do país.

No decorrer de sua trajetória acadêmica da COPPE, orientou 20 teses de doutorado e 42 dissertações de mestrado. Na UFRJ, assumiu vários cargos e funções representativas: Foi membro do Conselho Universitário da UFRJ por oito anos, Diretor eleito da Escola de Engenharia da UFRJ, entre 1978 e 1982, Decano do Centro de Tecnologia, de 82 a 86, e Subreitor de Patrimônio, Finanças e de Pessoal. Durante o período como Subreitor na administração do Reitor Adolfo Polillo, lutou e conseguiu a incorporação de tempo integral e dedicação exclusiva para todos os professores da COPPE. Foi três vezes presidente do Conselho Deliberativo e por duas vezes esteve à frente da coordenação do Programa de Engenharia de Transportes da COPPE. Não é por acaso que seus colegas referem-se a ele como memória viva da instituição.

  • Publicado em - 27/02/2007