/Uma Eletrobrás Eficiente É Possível

Data: 
01/09/2017
Autor: 
Luiz Pinguelli Rosa – Diretor de Relações Institucionais e professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ

Sou contrário à privatização anunciada da Eletrobrás. O valor estimado de mercado da empresa, a bagatela de 20 a 30 bilhões de reais, é muito inferior aos investimentos já feitos e irrisório perante o rombo anual do governo, da ordem de159 bilhões de reais. O governo declarou que as tarifas cairão, o que é uma falácia! Para o consumidor cativo da rede elas subirão, pois ativos amortizados serão revalorizados. Que vantagem traria sua privatização para a sociedade brasileira?

Há grandes estatais muito eficientes no mundo, como a EDF francesa, a Hydro Quebec, no Canadá, a Tenessee Valley Authorit, nos EUA. Aliás, nos EUA, praticamente todas as hidrelétricas são estatais. Para privatizar a Eletrobrás, o atual governo alega que ela não é uma empresa eficiente. Isso é verdade? Fui presidente da Eletrobrás de janeiro de 2003 a maio de 2004. Encontrei as empresas elétricas federais desestruturadas pelo processo de privatização que se colapsou com o racionamento de 2001, consequente da falta de investimento no setor e após o qual o consumo caiu acentuadamente, ficando grande parte da capacidade de geração ociosa. Um relatório publicado em 2004, sob o título Um Novo Horizonte para o Grupo Eletrobrás, mostra que em um curto período de cerca de um ano e meio iniciamos a recuperação do desmonte dos anos anteriores. A partir de uma nova filosofia de trabalho, com ênfase na ação conjunta e integrada das empresas do Grupo Eletrobrás, renegociamos dívidas de concessionárias, recuperando créditos dados como perdidos, e como resultado, Furnas e Chesf exibiram, em 2003, lucros recordes. A primeira teve um lucro de R$ 1,1 bilhão; a segunda, de R$ 816 milhões. O bom desempenho geral se refletiu na valorização das ações da Eletrobrás, cujas ações ON valorizaram 103%, bem acima do índice Bovespa.

Após mais de meia década impedidas de investir, as empresas da Eletrobrás foram, finalmente, retiradas do Plano Nacional de Desestatização. Os recursos injetados pelo Grupo no setor, em 2003, somaram R$ 7,5 bilhões. Desse total, R$ 3 bilhões foram investimentos de capital próprio, que permitiram, entre outras iniciativas, duplicar a usina de Tucuruí, da Eletronorte, no Pará; fazer a obra da termelétrica de Camaçari da Chesf, na Bahia, e levar adiante a ampliação de ltaipu, com duas novas turbinas de 700 MW cada uma. Também foi possível retomar em parceria com a EDP a obra da usina de Peixe Angical, no Tocantins, que estava suspensa. O Grupo Eletrobrás resgatou seu papel de principal investidor do setor.

A ênfase na ação conjunta evitou a competição predatória e aumentou a competitividade do Grupo, atraindo investidores que se tornaram parceiros das empresas. No primeiro leilão para a construção de linhas de transmissão realizado pela Aneel, o Grupo Eletrobrás foi o grande vencedor. Assim foi iniciada a construção de 1.260 quilômetros de linhas, investindo R$ 1,1 bilhão, e o deságio médio de 36% obtido no leilão, graças à presença das empresas do Grupo, pressionando para baixo os valores, que se refletiu em menores tarifas para o consumidor.

Baseado nessa experiência, sou convicto de que a Eletrobrás pode ser uma empresa eficiente. A eficácia independe do fato de uma empresa ser privada ou estatal, mas de um planejamento estratégico e compromisso da gestão com a eficiência. No entanto, no caso da Eletrobrás, que gere um bem de consumo estratégico para o desenvolvimento, principalmente em um país, tão diverso e desigual como o nosso, considero que a opção em mantê-la estatal é o melhor para o Brasil.

* Artigo publicado na Folha de S.Paulo, editoria Opinião, em 26/08/2017